Um retrato do Brasil de Bolsonaro feito pelos Estados Unidos, democratas e republicanos

Alexandre L Silva
5 min readJul 12, 2020
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Um documento produzido pelo Serviço de Pesquisa do Congresso dos Estados Unidos (CNS — Congressional Research Service), atualizado em 06 de julho de 2020, faz uma descrição para democratas, republicanos e demais congressistas estadunidenses do que é o Brasil durante o governo Bolsonaro. Nesse documento de 29 páginas (1), são encontradas muitas informações úteis para quem quer analisar o atual governo brasileiro e como os Estados Unidos o interpretam. São tantas informações que resolvi analisar apenas o preâmbulo do documento, acrescentando dados de outras fontes citadas nele, mas que não são encontradas na imprensa brasileira e, portanto, de vital importância para quem estuda as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Logo de início, no documento em questão, o Brasil é citado, pelo seu tamanho e recursos naturais, como um país que tem o potencial “para se tornar uma potência mundial” e que “periodicamente tem sido o ponto focal da política dos EUA na

América Latina”. Relembrando Aristóteles, há uma diferença entre ato e potência. Ato é o que é, potência é o que pode ser. Assim, uma semente é uma semente em ato, mas uma árvore em potência. E o que faz o Brasil ficar apenas na potencialidade? Peter J. Meyer, responsável pelo estudo, responde: “desigualdades econômicas, desempenho e instabilidade política”.

A pesquisa estadunidense também reconhece a importância dos governos de esquerda no Brasil ao afirmar que houve “um período de forte crescimento econômico e aumento da influência internacional durante a primeira década do século XXI”. Entretanto, aponta que o país está passando por uma série de crises domésticas nesses últimos anos e que desde o ano de 2014 “o país passou por uma profunda recessão, taxa recorde de homicídios e escândalo de corrupção em massa”. Nesse ponto, chama a atenção o adjetivo usado para descrever o impeachment de Dilma Rousseff: controverso. Aliás, Meyer afirma que o impeachment foi um dos grandes responsáveis pelo descredito da classe política, abrindo caminho “para o populista de direita Jair Bolsonaro”.

O texto de Meyer critica Bolsonaro por não construir uma coalizão no Congresso ampla para avançar com as reformas, preferindo apostar em seu eleitorado mais conservador e atacar aqueles que acredita ser seus inimigos, ONGs, a imprensa e outros ramos do governo.

Quando começa a descrever o governo Bolsonaro, o documento afirma que desde que esse começou, Bolsonaro “começou a implementar reformas econômicas e regulatórias”, além de propor “políticas de segurança de linha dura destinadas a reduzir crime e violência”. Assinala, ainda, que essas reformas são apoiadas por “investidores internacionais e empresas brasileiras”, deixando claro a quem interessa tais reformas. Apesar disso, Bolsonaro apostou numa política de confronto, afastando potenciais aliados, mesmo de tendências conservadoras, e, por isso, prejudicando o enfrentamento de grandes desafios, “como a pandemia de Doença de Coronavírus 2019 (COVID-19) e acelerando o desmatamento na Amazônia brasileira”. Ainda acrescenta que a conduta de Bolsonaro estressou e sobrecarregou as instituições democráticas do país.

Os congressistas, tanto democratas quanto republicanos, também receberam informações bem negativas para Bolsonaro nos campos econômico e das relações exteriores. No primeiro, Meyer indica uma retração de “9,1% em 2020”, o que é um desastre para a economia brasileira. No segundo, é afirmado que o Brasil abandonou sua tradição de autonomia, em nome de um alinhamento direto com os Estados Unidos.

No tocante ao desmatamento na Amazônia brasileira, a pesquisa de Meyer cita a H.R. 4263 (2). Esse Projeto de Lei do Congresso dos Estados Unidos visa “proibir a importação de certos produtos do Brasil, proibir certa assistência ao Brasil e proibir negociações para entrar em um acordo de livre comércio com o Brasil”, sendo Bolsonaro diretamente citado nele(3). Portanto, não é apenas o desdenho de Trump em relação ao Brasil que o governo Bolsonaro provoca, é toda uma movimentação oficial estadunidense contra esse governo, considerado aliado de primeira ordem, mas que, por sua incompetência, autoritarismo e egoísmo vem inviabilizando toda e qualquer relação internacional que seja vantajosa para o Brasil.

O documento enviado para os congressistas também cita a National Defense Authorization Act for FY2020 (P.L. 116–92) (Lei de Autorização de Defesa Nacional para o Exercício de 2020 ( Lei Pública 116–92) (4). Essa lei, entre outras coisas, evoca a necessidade de uma descrição do ambiente dos direitos humanos no Brasil e saber o quão comprometidas estão as Forças Armadas em relação a tais direitos para que se tenha uma cooperação entre os dois países. Diz, ainda, que é também papel dos Estados Unidos, nessa relação de cooperação, identificar qualquer militar ou unidade de forças de segurança que esteja envolvido na violação dos direitos humanos e incentivar a prestação de contas (5).

Uma Resolução da Câmara dos Estados Unidos (H.Res. 594) também é citada no documento produzido por Meyer (6). Essa resolução insta Estados Unidos e Brasil a investigar a violação dos direitos humanos no Brasil, assim como buscar reduzir o desmatamento na Amazônia. Essa resolução também pede a suspensão da assistência militar estadunidense ao Brasil, caso o Departamento de Estado não especifique quais medidas estão sendo tomadas para a garantia dos direitos humanos. Novamente, Bolsonaro é citado diretamente em tal resolução, assim como Sergio Moro (7). Esse documento ainda cobra pela investigação do caso Marielle Franco, lembrando que ela “foi assassinada e os indivíduos que ordenaram seu assassinato permanecem em liberdade” (8).

Não há como negar que o retrato oficial do Brasil de Bolsonaro, feito por aquele país que é tido por ele como seu principal aliado, não é nada bonito, se bem que muito realista. Esses documentos revelam que até os Estados Unidos reconhecem o erro que é a existência desse governo. Pelo que foi demonstrado, portanto, não são apenas as imprensas brasileira, europeia, estadunidense que deverão ser consideradas comunistas pelos defensores de Bolsonaro, mas o próprio Estado estadunidense. Uma afirmação que é bem coerente para aqueles que não acreditam no funcionamento das vacinas e que acham que o nosso planeta é plano.

Alexandre L Silva

(1) Brazil: Background and U.S. Relations in: https://crsreports.congress.gov/product/pdf/R/R46236 O corpo do texto tem 26 páginas. Toda citação, sem uma refência específica, diz respeito a esse documento.

(2) https://www.congress.gov/bill/116th-congress/house-bill/4263/text

(3) Ibid.

(4) https://docs.house.gov/billsthisweek/20191209/CRPT-116hrpt333.pdf

(5) Ibid.

(6) https://www.congress.gov/bill/116th-congress/house-resolution/594?s=1&r=7

(7) https://www.congress.gov/bill/116th-congress/house-resolution/594/text?r=7&s=1

(8) Ibid.

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Alexandre L Silva

Ex-professor de diversas universidades públicas e particulares. Lecionou na UFF e na UERJ. Articulista de opartisano.org e escritor da New Order no Medium.