Todos são iguais perante a lei? Bolsonaro e outros demonstram que não.
“Todos são iguais perante a lei”, assim começa o artigo quinto da Constituição Federal do Brasil (1). Entretanto, será isso mesmo verdade?
A agressão verbal feita por Jair Bolsonaro a um repórter, dizendo que tem vontade de arrebentar a boca de tal jornalista (2), pode ser qualificada como crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal (3).
Pela premissa acima apresentada, de que todos são iguais, o chefe do Executivo poderia ser processado pelo jornalista e ser julgado em primeira instância. Todavia, a própria Constituição proíbe que isso ocorra, pois em seu artigo 86 é dito que o Presidente da República só será julgado pelo STF, não pela primeira instância, se for aprovado esse julgamento por dois terços da Câmara, no caso de crime comum (4). A conclusão é óbvia: o comandante do governo só será julgado se não tiver o mínimo de apoio político, o que quebra a ideia aristotélica de que todos são iguais perante a lei (5).
A afirmação de que todos são iguais, do ponto de vista legal, não é sustentável empiricamente. No Brasil, mais de 55 mil pessoas têm foro privilegiado, ou seja, têm o privilégio de só serem julgadas por “instâncias superiores” (6). A lista é longa e conta com presidente, vice, ministros, deputados, senadores, juízes, comandantes das Forças Armadas, governadores, conselheiros de tribunais de contas e tantas outras categorias, o que leva à constatação que existem indivíduos com uma cidadania mais elevada que outros.
Além da questão do foro privilegiado, que afeta profundamente o conceito de igualdade, há ainda a existência de um outro tipo de justiça no Brasil: a Justiça Militar. O policial militar que pisou no pescoço de uma mulher negra e pobre (pra variar) em São Paulo vai ser julgado pela Justiça Militar (7), uma justiça reservada para uma determinada classe, o que fere, mais uma vez, o princípio da igualdade.
A desigualdade econômica também é responsável por não haver a aclamada igualdade, e isso não só no Brasil. Não há como comparar a chance de defesa de alguém que pode pagar bons advogados com a chance de quem não pode. Fica evidente, nesse caso, a força do poder econômico no âmbito da justiça, desequilibrando a balança para o lado de quem tem mais dinheiro.
Alexandre L Silva
(1) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Art. 147 — Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena — detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único — Somente se procede mediante representação
(4) No caso de crimes de responsabilidade, o Senado toma o lugar da Câmara.
(5) 1132a da Ética à Nicômaco. https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxwdWNjNTdjbWR8Z3g6MmU2YjFmNTZmZTg3ZTVlZQ
(6) https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/quase-60-mil-pessoas-tem-direito-a-foro-privilegiado-no-brasil/ Também: https://exame.com/brasil/quem-sao-as-55-mil-pessoas-que-tem-foro-privilegiado-no-brasil/