Os detalhes do vídeo da reunião de Bolsonaro e seus ministros e a nota de Heleno

Alexandre L Silva
8 min readMay 23, 2020
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Augusto Heleno, o mesmo general que teve que responder pelo massacre de Cité Soleil, no Haiti (1), e chefe do GSI (Gabinete do Gabinete Institucional), acabou, através de uma nota oficial, de ameaçar diretamente o Supremo Tribunal Federal, na figura de Celso de Mello, além de ameaçar a aparente democracia brasileira. Em outras palavras, o general ameaçou desestabilizar a estrutura democrática nacional porque Celso de Mello enviou um pedido à PGR para apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro (2) . Nas palavras de Heleno: “é inconcebível e até certo ponto inacreditável … caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do país e que o Gabinete Institucional da Presidência alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma tentativa de comprometer a harmonia entre os Poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” (3).

Alessandro Molon, deputado federal e líder do PSB na Câmara, escreveu em seu Twitter: “vamos representar contra o General Heleno por crime comum, com base na Lei de Segurança Nacional, e por crime de responsabilidade. A nossa democracia não pode se curvar neste momento, sob o risco de cruzarmos a última barreira que nos distingue de um regime totalitário. Basta!”

Celso de Mello, nesse momento, acabou de liberar, com alguns corte relativos à política externa, o vídeo da reunião de Bolsonaro com seus ministros, no caso Moro. Nesse vídeo, há uma série de falas que precisam ser investigadas. Há tanta podridão que nem sei por onde começar. Parei de escrever o texto para assistir o vídeo, mas estou perdido no meio de tanto desatino. Tentarei, portanto, colocar alguma ordem dentro das falas desse governo esquizofrênico, tendo a certeza que deixarei algo importante escapar, pois não foi uma reunião ministerial, mas uma grande tramoia.

Abraham Weintraub, ministro da Educação, disse que abominava a expressão “povos indígenas”, assim como qualquer referências semelhantes à palavra “povo” ou “povos” (povo dos quilombos, povo cigano etc). Pergunto eu, então, e o povo judeu? Se só exite o “povo brasileiro”, segundo Weintraub, não pode haver referência a povo judeu, conclusão mais do que certa. Quem diria, um indivíduo de origem judaica negando seu próprio povo. Também, aparentemente, cometeu um crime contra o STF, afirmando: “eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF” (5).

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (6), por sua vez, afirmou que era preciso aproveitar a pandemia, já que a imprensa só trata da COVID-19, para passar “a boiada” e mudar todo o regramento e simplificar as normas (regras de proteção ambiental). Mas isso não só no Meio Ambiente, também no Ministério da Agricultura e no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Segundo Salles, é o momento de “dar de baciada”, unindo os esforços dos ministros e a caneta do presidente. Em outras palavras, Salles sugere que o governo aproveite o novo coronavírus para passar tudo que favoreça os grandes produtores rurais, os desmatadores, os garimpeiros, os empresários que atuam no sentido contrário ao meio ambiente, os madeireiros e todos que ganham destruindo o país. Só há uma expressão para isso: jogo sujo.

A ministra e pastora Damares Alves disse que é preciso pegar pesado e prender governadores e prefeitos: “o nosso ministério já tomou iniciativa e nós tamos pedindo inclusive a prisão de alguns governadores” (7). Considerou, ainda, o isolamento social uma violação contra os direitos humanos, além de avisar o ministro da Saúde da época, Nelson Teich, que o seu ministério está cheio de feministas que querem o aborto (8).

O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, faz queixas sobre os efeitos da pandemia sobre o turismo na Brasil. Depois disso, faz a sugestão de que o governo lute para abertura de resorts com cassino no país e que, para isso, procure convencer as bancadas católica e evangélica. Ao final de sua fala, a ministra Damares exclama: “pacto com o diabo” (9). Um verdadeiro show de horrores.

Braga Netto, chefe da Casa Civil (curioso, um militar chefe da Casa Civil), chama seu plano de reconstrução de Plano Marshall e é criticado por Paulo Guedes (ministro da Economia) que diz que o plano não deve ser chamado assim, mas de Pró-Brasil, chamá-lo assim, nas palavras de Guedes, “é um atentando contra nós mesmos” (10). Além disso, Guedes ressalta que, basicamente, estão fazendo a mesma coisa que Dilma já fez.

Guedes fala em mais de um momento da reunião, louvando a reforma da previdência, o corte dos juros, criticando os gastos em excesso e afirmando que vão ganhar dinheiro “usando recursos públicos pra salvar grandes companhias”. Já, no tocante às pequenas, “nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas” (11), diferente do havia afirmado em outro local, quando disse que não usaria o dinheiro público para salvar grandes empresas (12). Isso é um imenso problema para as empresas menores, uma vez que duvido que o governo socorra, com tanta presteza, tais empresas.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, afirma que faz reuniões com banqueiros internacionais quase toda semana, acusa a mídia dizendo que ela “joga medo”, diz que o cenário financeiro piorou com as eleições, por causa da possibilidade de vitória do PT e fala de governança. E qual a maneira de melhorar a governança em projetos de recuperação, como o Pró-Brasil? O próprio Campos responde: “colocar agentes internacionais que fazem governança mundial”. É… aprendeu bem com o avô que, por sinal, trabalhou comigo em um curso de economia, mas isso é outra estória. O que Campos Neto faz aqui é um projeto de entregar, mais uma vez, o Brasil aos interesses financeiros internacionais (13).

Ernesto Araújo, o chanceler desse governo, traz em sua fala uma verdadeira pilhéria. Aborda a dimensão internacional do plano do governo, dizendo: “eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições … de se sentar na mesa de quatro, cinco seis países que vão definir a nova ordem mundial”. E, com base numa conversa de Bolsonaro com o primeiro-ministro da Índia, diz acreditar que, depois do novo coronavírus, será como depois da Segunda Guerra e que “vai haver uma nova globalização” que levará em conta, diferente da atual, o tema dos valores (14).

O combate à pandemia só foi tratado, muito rapidamente, pelo novato na mesa, o ministro da Saúde Nelson Teich que afirmou que é necessário que o governo demonstre que tem uma estratégia para combater o novo vírus e que não é um “barco à deriva” (15). Para tal, Teich ofereceu um plano básico com o controle de três itens: informação (conhecimento da doença e controle do medo da sociedade), “estruturar a operação de cuidado” (logística do processo de atendimento aos doentes) e, finalmente, o terceiro item, talvez o mais importante, que ele não disse. Um plano com só “três coisas”, cuja a terceira ninguém sabe o que é, talvez nem Teich que, por sinal, ainda alertou o governo sobre a demanda reprimida de outras doenças (16).

O único ministro que demonstrou alguma sensatez durante a reunião foi Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional. Marinho começa dizendo “bom, eu vou partir do princípio que todos que estão aqui são bem-intencionados e querem o bem do Brasil. Tá? Então eu não a… não acredito em teoria da conspiração nem que ninguém quer solapar os alicerces da República nem abalar a administração do presidente Bolsonaro, pelo contrário. E quero lembrar a todos que não existem verdades absolutas…O que tá acontecendo hoje no mundo não tem parâmetros nos últimos cem anos.” Por essas palavras, já se percebe que o ministro tem pouco conhecimento de todos na reunião, apesar de sua desconfiança. Marinho ainda faz questão de avisar que mesmo os governos mais liberais estão se transformando por causa da COVID-19 e que o Brasil deve se preocupar em auxiliar as pessoas e empresas e pensar no lado social. Infelizmente, Marinho não tem atenção dos colegas e a reunião prossegue sem levar realmente em conta a fala desse ministro (17),

Chegamos ao chefe do Executivo. Bolsonaro diz que “se puder falar zero com a imprensa, é a saída”, reclama que a Polícia Federal não lhe dá informações (“pô, eu tenho a PF que não me dá informações”), diz que não vai esperar que sua família e seus amigos sejam ferrados (usa um palavrão com f, de tantos palavrões usados por ele e os ministros), reclama de uma nota da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que cita um patrulheiro morto pela COVID-19 (18), critica os serviços de informação, inclusive a Polícia Federal que não pode, legalmente, fornecer as informações que ele quer (18). Infelizmente, o vídeo por si só não é uma prova cabal para demonstrar que Bolsonaro pretendia interferir na Polícia Federal. Entretanto, o vídeo traz indícios que Bolsonaro exigia algo ilegal por parte da PF, uma vez que queria determinadas informações dessa mesma polícia. Apesar de tudo isso, a parte mais preocupante do vídeo é quando Bolsonaro solicita a Sérgio Moro (ministro da Justiça e Segurança Pública na época) e a Fernando Azevedo (Defesa) que fizessem uma portaria para armar a população (19) contra autoridades constituídas, como prefeitos e governadores. Tal ação deve ser considerada criminosa, podendo até ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional. O artigo 17 dessa lei afirma que é crime: “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito” (20). Essa ordem de Bolsonaro pode até mesmo ser entendida como apoio à formação de milícias armadas para subverter a ordem nacional e o regime democrático.

Mais uma série de absurdos políticos e jurídicos aconteceram nessa reunião, como a louca vontade de Paulo Guedes de privatizar de vez o Banco do Brasil e a fala de Ernesto Araújo sobre a China, não a citando diretamente, dizendo que no “centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos”. Foi um verdadeiro circo de horrores e um perigo latente para a democracia.

Alexandre L Silva

Observação: texto sem revisão.

NOTAS

(1) http://freedomarchives.org/pipermail/news_freedomarchives.org/2005-July/001299.html Também: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/65668/noticia.htm?sequence=1 https://exame.com/brasil/general-augusto-heleno-futuro-ministro-liderou-missao-polemica-no-haiti/ entre outros inúmeros artigos.

(2) https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/celso-de-mello-envia-a-pgr-pedidos-de-depoimento-e-apreensao-do-celular-de-bolsonaro.ghtml

(3) http://g1.globo.com/globo-news/videos/v/em-nota-ministro-do-gsi-diz-que-apreensao-do-celular-de-bolsonaro-e-afronta-a-um-poder/8573360/

(4) https://twitter.com/alessandromolon/status/1263915917504917505

(5) https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/celso-de-mello-ve-aparente-pratica-criminosa-de-weintraub-em-video-e-manda-comunicar-ministros-do-stf.ghtml

(6) https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/05/ministro-do-meio-ambiente-defende-aproveitar-crise-do-coronavirus-para-passar-a-boiada.shtml

(7) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/22/em-reuniao-damares-diz-que-vai-pegar-pesado-e-pede-prisao-de-prefeitos.htm

(8) https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/damares-alves-encrenca-com-servidoras-feministas-do-ministerio-da-saude.html

(9) https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/em-reuniao-ministro-do-turismo-ve-resorts-com-cassino-como-saida-economica-para-o-setor.shtml

(10) O seguinte endereço traz todas as falas liberadas da reunião: https://www.brasil247.com/poder/leia-a-intega-dos-dialogos-da-reuniao-bomba-de-bolsonaro

(11) Ibid.

(12) https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/governo-nao-vai-usar-dinheiro-que-falta-na-saude-para-salvar-grandes-empresas-diz-guedes.shtml

(13) https://www.brasil247.com/poder/leia-a-intega-dos-dialogos-da-reuniao-bomba-de-bolsonaro

(14) Ibid.

(15) https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/22/interna_politica,857570/teich-alertou-bolsonaro-sobre-ter-que-mostrar-controle-da-covid-19.shtml

(16) Ibid. Também https://www.brasil247.com/poder/leia-a-intega-dos-dialogos-da-reuniao-bomba-de-bolsonaro

(17) https://www.brasil247.com/poder/leia-a-intega-dos-dialogos-da-reuniao-bomba-de-bolsonaro

(18) https://veja.abril.com.br/politica/veja-os-videos-da-reuniao-de-bolsonaro-com-os-ministros/

(19) https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/bolsonaro-cobrou-de-moro-portaria-para-armar-populacao,4414182849d0792e1371c5c5b790b755ow05vav3.html

(20) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm

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Alexandre L Silva

Ex-professor de diversas universidades públicas e particulares. Lecionou na UFF e na UERJ. Articulista de opartisano.org e escritor da New Order no Medium.