Alexandre L Silva
7 min readJul 23, 2019

O Grande Golpe

Entre 2010 e 2011, uma onda de protestos, manifestações, revoltas e revoluções causou mudanças e instabilidade no mundo árabe. Essa onda ficou conhecida mundialmente como Primavera Árabe. A crise econômica e a falta de liberdade nos países do Oriente Médio e do Magrebe foram apontadas como principais causas para esse movimento. Entretanto, vale lembrar que o Presidente Barack Obama , em 19 de maio de 2011, proferiu um discurso no Departamento de Estado em que apoiou os levantes da Primavera, de maneira discreta, e anunciou uma mudança da estratégia estadunidense em relação à região. Entre as ações preconizadas, encontram-se o suporte e apoio econômico à Tunísia e ao Egito, únicos países que naquele momento já haviam derrubado seus líderes, incluindo o perdão da parte estadunidense da dívida externa egípcia contraída pelo regime anterior e o apoio às democracias nascentes. Também, nesse mesmo discurso, há a defesa da criação de um Estado palestino desmilitarizado e dos valores universais e democráticos. Muitos analistas consideram esse discurso como uma mudança do paradigma da década de 1980, atribuído a Madeleine Albright, do intervencionismo da “nação indispensável” para uma visão multilateral. A hipótese apresentada aqui é diferente.

Há sem dúvida, naquele momento, uma insatisfação dos povos em questão com seus governos. Quando a economia naufraga, a qualidade de vida cai e isso reforça outros problemas, como o da liberdade e o dos direitos fundamentais. A oposição ao regime também é fortalecida e aparece como uma solução para o sofrimento da população. Assim, surgem as seguintes questões: até que ponto as crises do capitalismo são naturais? Até que ponto são produzidas? Qual o papel da principal potência mundial nessa produção? Infelizmente, não há como afirmar se a crise que afetou esses países foram produzidas ou simplesmente surgiram dentro do processo do capital. Todavia, devemos lembrar que os EUA eram, de modo geral, aliados das ditaduras da região, mas isso não significa muita coisa, já também eram aliados das ditaduras da América Latina que foram substituídas por democracias liberais a partir de 1978. O Império parece perceber a necessidade de um realinhamento setorial ou global e, segundo seus interesses, promove os ajustes visando seus próprios objetivos, utilizando a presença militar, como a presença fundamental da OTAN na derrubada de Muammar Kadafi, na Líbia, ou através de recursos mais sofisticados. De qualquer modo, não há como negar que os EUA refinaram seu grande conhecimento de manipulação de populações com a Primavera Árabe.

Em 2013, no Brasil, há o surgimento de uma onda conservadora de direita e extrema-direita que encontra um terreno fértil na internet e nos protestos de rua. Nas manifestações de 2013 contra o governo Dilma, grupos como o MBL, os Revoltados Online e o Vem Pra Rua reúnem, os três, desde membros moderados do PSDB até a extrema-direita mais virulenta. Outros grupos menores de direita e extrema-direita participaram do enfraquecimento popular do governo de Rousseff. Em comum, entre todos esses grupos, há o ódio pela esquerda e a busca desvairada pelo poder. Os grandes gastos nessas manifestações sugerem o financiamento de grandes empresas nacionais e multinacionais a esses grupos. A participação de governos estrangeiros, em especial o dos EUA, na ascensão desses grupos, não pode ser descartada. Para tal, basta lembrar do caso Edward Snowden, revelado pelos jornalistas comandados por Glenn Greenwald. Entre as revelações de Snowden sobre a espionagem do governo americano, uma, em especial, chamou a atenção dos brasileiros. Foi feita em 2015 e seu conteúdo revela o grampo, por parte dos EUA, em trinta telefones de membros do Governo Dilma, incluindo a própria presidente. Assim como a Primavera Árabe, as manifestações de 2013 no Brasil refletem a participação americana, só não se sabe até que ponto exatamente, mas certamente essa participação foi decisiva para o que ocorrerá em seguida.

Dilma Rousseff (presidenta de 2011–2016) terminou seu primeiro mandato com 59% de aprovação, o maior índice desde a redemocratização. Apesar disso, a eleição para o seu segundo mandato foi complicada. Ela foi marcada pela morte de Eduardo Campos do PSB, por Marina Silva assumir a candidatura em seu lugar, pela disputa acirrada entre Dilma (PT) e Aécio Neves (PSDB). Enfim reeleita, mas enfraquecida pela campanha e pelos ataques contínuos liderados pelo PSDB de Aécio, Dilma aponta Joaquim Levy, um liberal convicto, para o Ministério da Fazenda, com o objetivo de acalmar o mercado e tentar se recuperar dos estragos feitos pela crise econômica e outros fatores, como a Lava Jato, a crise da Petrobras e as manifestações. Não foi o suficiente, Dilma foi acusada pelas chamadas “pedaladas fiscais”, operações orçamentárias feitas através do Tesouro Nacional. Em tais pedaladas, o governo atrasa o repasse de verbas a bancos privados e públicos com a função de maquiar a situação fiscal do governo em determinado ano. Essas operações não são previstas na legislação, mas foram feitas desde o governo Fernando Henrique e sem nenhum problema jurídico ou político. Entretanto, foi a maneira ad hoc que as forças à direita descobriram para abrir o processo de impeachment contra Dilma, encabeçado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB).

Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff tem seu mandato cassado. Em seu lugar assume definitivamente Michel Temer.

Mas houve alguma interferência estrangeira nesse golpe contra Rousseff? Mark Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research, aponta para um encontro entre o ex-embaixador estadunidense no Brasil e subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado do governo Obama , Thomas Shannon, com o senador Aloysio Nunes do PSDB (principal partido de oposição naquele momento e responsável por encabeçar o golpe). Aloysio Nunes também era presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e viajou para Washington para esse encontro. Nas palavras de Mark Weisbrot, em entrevista para a BBC: “Esse encontro é um forte sinal de que eles (o governo americano) apoiam a oposição e o impeachment”. Ainda em 2016, deputados brasileiros foram aos EUA defender o impeachment durante a participação de Dilma Rousseff em evento da ONU. José Carlos Aleluia (DEM-BA) e Luiz Lauro Filho (PSB-SP) afirmam que conseguiram inibir Dilma em seu discurso e evitar o ataque às instituições brasileiras. Outro que aposta na interferência americana é o presidente do Comitê Nacional Para os e Estudos dos Problemas dos Brics e deputado da Câmara Baixa do Parlamento Russo, Viatcheslav Níkonov, que afirmou estar convencido de que os últimos acontecimentos políticos no Brasil foram coordenados pelos Estados Unidos. Luiz Alberto Figueiredo Machado, embaixador em Washington no período e ex-ministro, por um curto período, das Relações Exteriores do primeiro governo de Dilma Rousseff, defendeu enfaticamente a legalidade do impeachment em manifestação contra uma carta enviada ao secretário de Estado dos EUA durante o governo Obama, assinada por 37 congressistas do Partido Democrata e que questionava o processo de impeachment.

Espionagem, confirmada com documentos da NSA, encontro entre representantes dos dois países interessados no impeachment, declarações por parte de representantes dos BRICS sobre a interferência dos EUA, artigos na imprensa e no mundo acadêmico, protesto de congressistas americanos contra o processo e que não foi ouvido pelo governo Obama, tudo isso reforça a tese de participação dos EUA no golpe. Entretanto, vale ressaltar que isso é uma hipótese, não uma constatação inquestionável. Se fosse uma constatação, já seria história. Contudo, vale ressaltar que qualquer discurso no caminho inverso teria o mesmo problema e que a hipótese, aqui apresentada, tem uma série de fatos que ajudam na construção de sua fundamentação. Para aqueles que ainda desdenham das hipóteses, deve ser lembrado que boa parte do conhecimento humano se dá artavés delas, já que uma teoria (Teoria da Evolução, Teoria da Relatividade etc) é definida como um conjunto de hipóteses.

Não há como afirmar com segurança que a crise das commodities foi provocada pelos EUA, mas certamente eles se aproveitaram dessa crise para redesenhar o cenário político global. A Venezuela entrou em colapso com a essa crise, o embargo dos EUA e suas sanções. As consequências foram devastadoras e hoje é um país dividido politicamente, com a economia em frangalhos e uma instabilidade econômica fora do comum. Na Argentina, a crise catapultou a candidatura de Mauricio Macri (Proposta Republicana) à presidência, trazendo a direita argentina e o conservadorismo de volta ao poder. No Chile, as eleições foram ganhas por Sebastián Piñera. Piñera já havia sido presidente e teve sua campanha impulsionada por uma manipulação do Banco Mundial que fez o Chile descer no ranking de competividade divulgado pelo próprio banco. E esses são apenas alguns exemplos. A onda conservadora, ou maré azul, já é vitoriosa em vários países da América Latina, além dos citados, podem ser citados Guatemala, Peru, Colômbia, Honduras, Paraguai, Panamá. Na Europa, a extrema-direita ganha terreno em todo continente. Na Itália, França, Suécia, Alemanha, Holanda, Hungria, Polônia, Grécia, entre outros, vemos o crescimento e, em certos casos, a vitória da extrema-direita, tendo como grande questão aquela da imigração. O Brexit também é um representante dessa virada conservadora, assim como a própria vitória de Donald Trump, esta nos EUA, e a escolha de Boris Johnson como novo premier do Reino Unido.

É importante notar que a estratégia de redesenhar o mapa político global, que já era de direita no governo Obama, acaba por se encaminhar para a extrema-direita. Steve Bannon, principal ideólogo da campanha de Trump, viajou, após seu desligamento do governo, por toda a Europa promovendo suas estratégias de dominação, usando as fraquezas da democracia para promover a ascensão de candidatos não democratas da extrema-direita. No Brasil, a campanha de Bolsonaro, candidato vitorioso na eleição presidencial de 2018, foi orientada por Bannon que, por sinal, continua orientando o discurso do governo Bolsonaro. São os mesmos valores, discursos e estratégias que Bannon e Trump defendem. Quem estiver disposto a analisar todo o esquema de Bannon, verá que há um casamento perfeito com a campanha de Bolsonaro e, possivelmente, sua escolha como o candidato de Trump.

Não há como continuar sendo ingênuo e achar que cada país escolhe o rumo que irá tomar. Poder é relação de poder, de força, como encontramos na obra de Foucault. Assim, as forças interagem entre si e há sempre uma relação entre forças que são mais ativas e forças que são mais passivas. Os EUA, como a grande potência mundial, afirmam sua supremacia de diversas formas no mundo, encontrando obstáculos para essa afirmação, mas que dificilmente são páreos para tal poderio. A década de 2010 tem se tornado um paradigma para a compreensão do papel estadunidense no mundo. Portanto, os EUA continuam a ser isso que Antonio Negri e Michael Hardt chamam de Império.

P.S.: Esse texto não foi revisado.

Alexandre L Silva
Alexandre L Silva

Written by Alexandre L Silva

Ex-professor de diversas universidades públicas e particulares. Lecionou na UFF e na UERJ. Articulista de opartisano.org e escritor da New Order no Medium.

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