O Brasil de Bolsonaro: capitalismo, esquizofrenia e pandemia
O Brasil está em seu pior momento político, pelo menos desde a ditadura militar, e agora enfrentamos uma pandemia que assombra o mundo. O prefeito do Rio de Janeiro falando besteira e tomando atitudes tresloucadas, o ministro da Saúde não conseguindo o mínimo de coerência entre seus pronunciamentos e o chefe do Executivo Federal fazendo campanha contra a ciência. Enquanto isso, os governadores dos estados, em sua grande maioria, tentam promover alguma racionalidade no meio de toda essa loucura. Mesmo governadores de direita, com os quais não tenho nenhuma simpatia, vêm buscando equacionar o problema do novo coronavírus, uma vez que reconhecem o tamanho do problema para a humanidade. Os de esquerda, já acostumados com uma visão mais humanistas da política, tentam também defender seus estados, seguindo as recomendações da OMS e de especialistas.
Marcelo Crivella (prefeito do Rio de Janeiro), falando à imprensa, apresentou medidas que afrouxam o isolamento social e, até, chegou a sugerir que as escolas municipais fossem reabertas. Também criticou o que chamou de arrogância da ignorância, dizendo, entre outras coisas, que o DNA do novo vírus já estava mapeado, como se isso já resolvesse o problema. Aliás, seria bom que o prefeito soubesse que o Sars-Cov-2, conhecido como novo coronavírus, não tem DNA, mas RNA. Portanto, ou Crivella desconhece o vírus que nos assola ou estava falando do vírus errado; um típico exemplo de ignorância arrogante.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não sabe o que fazer. Uma hora contraria o que diz Bolsonaro, na outra, defende o seu presidente. Em pronunciamentos, diz seguir o que a comunidade científica aponta como correto e, logo depois, tenta defender as posições de seu chefe e, com isso, contraria tudo que disse anteriormente. A esquizofrenia tomou conta do Ministério da Saúde. Por sinal, a esquizofrenia sempre foi uma característica desse governo, ora por tática, ora por incompetência insana e egocêntrica.
Sabemos, por um pronunciamento de Mandetta, que até o Cascão, personagem dos quadrinhos de Maurício de Sousa, lavou as mãos. Ótimo, agora só falta Bolsonaro. Bolsonaro, por sinal, não para de negar a realidade e a ciência. Tentou emplacar uma campanha, através de uma série de publicações, com o título “O Brasil não pode parar” que defende o fim do isolamento social, prática mais eficaz contra a COVID-19, segundo especialistas. Também incentivou carreatas contra o isolamento (carreatas, não passeatas!) e discursou várias vezes menosprezando a COVID-19, a imprensa e a comunidade científica. Depois de toda pressão social por parte da população, como nos sucessivos panelaços, decisões judiciais contrárias e críticas da imprensa, de especialistas e de políticos, Bolsonaro apagou as postagens (1) e até negou a existência da campanha, através da Secom — Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (2), uma atitude, mais uma vez, esquizofrênica. Esse descaso com a doença e com a população já gerou críticas até mesmo da comunidade científica internacional. Um exemplo é a revista britânica “The Lancet” que afirmou: “Jair Bolsonaro tem sido fortemente criticado por especialistas em saúde e enfrenta uma intensificação da reação pública para o que é visto como sua fraca resposta” (3). Um detalhe, Bolsonaro foi o único líder mundial criticado diretamente no artigo.
Uma das publicações médicas mais prestigiadas do mundo, o “New England Journal of Medicine”, em sua última edição, reforçou a ideia, praticamente universal dentro da comunidade científica, de que o isolamento social é extremamente necessário (4). Segundo o periódico inglês, a carga viral de pacientes assintomáticos e com sintomas leves é semelhante àquela de pacientes sintomáticos, daí a importância do isolamento social e da detecção precoce através de testes, pois uma pessoa que não apresenta nenhum sintoma poderá contaminar, e até levar à morte, várias outras. O governo brasileiro, por outro lado, ainda não defende, de maneira definitiva, o isolamento social, em especial o horizontal, negando todas as evidências produzidas pela ciência e os fatos recentes em outros países.
Infelizmente, o Brasil parece estar vivendo, graças à extrema-direita, uma dicotomia medieval. Um dos temas predominantes na filosofia do medievo era a díade fé e razão. Entre os intelectuais e mesmo dentro da cultura da época, era comum o debate sobre esse tema para saber se a verdade era proveniente de uma ou de outra. Dessa forma, o país volta no tempo e desconfia da ciência, da razão e de tudo aquilo que tenha um mínimo de racionalidade, em nome de uma fé fundamentada em um falso mito, mito esse que possui seguidores fanáticos e fundamentalistas que defendem, de todas as maneiras, um governo com todas as características de uma esquizofrenia paranoide: um corpo (político) aos pedaços, desinteresse pelo social, isolamento gradativo, incapacidade de produzir (governar), personalidade instável, discurso confuso e sem sentido, sensação constante de perseguição, sentimento de ser especial, transtornos delirantes e persecutórios, entre tantos outros sintomas (5). Entretanto, a esquizofrenia é o limite do capitalismo, seu maior ponto de tensão, como apontam Deleuze e Guattari em seu Anti-Édipo (6). Em uma tentativa desesperada de conter os avanços da esquerda pelo mundo, inclusive no Brasil, o capitalismo apela ao seu extremo (extrema-direita) e, com ele, surge o perigo de sua própria destruição. Portanto, não há como manter muito tempo, dentro de uma economia capitalista, personagens como Trump, Órban e Bolsonaro, uma vez que o próprio sistema corre o risco de romper em tal estado de tensão. A pergunta, portanto, é quem acaba com quem? Não que essas figuras queiram acabar com o capitalismo, pelo contrário, são o ponto mais extremo dele, mas representam um grande perigo para o capitalismo, uma vez que ameaçam a própria existência dos indivíduos e, com isso, o fim do próprio tecido social.
Alexandre L Silva
Notas:
(1) https://www.msn.com/pt-br/noticias/politica/após-reações-governo-apaga-publicações-com-slogan-o-brasil-não-pode-parar-de-contas-oficiais/ar-BB11QkF2?ocid=primedhp
(3) https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30686-3/fulltext
(4) https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2001737
(5) Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 / American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5ª ed. — Dados eletrônicos. Porto Alegre : Artmed, 2014. P.87 e ss.
(6) Deleuze, Gilles, Guattari, Félix. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Luis B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010.