Metrópole e Colônia: A Interferência de Steve Bannon na Eleição Brasileira de 2018
Para entender a colônia, deve-se entender primeiro a metrópole. O Brasil de 2019 é marcado por um governo de extrema-direita, um direcionamento político da conduta que muitos chamam de conservador, uma economia que desvaloriza o Estado perante o mercado, um falso patriotismo, uma forte presença da religião, em especial o protestantismo neopentecostal, nas vísceras do Estado, um discurso governamental virulento contra a esquerda e todos aqueles que não compartilham as mesmas opiniões do governante, uma incompetência de boa parte daqueles que compõem o governo, uma enorme aproximação, em todos os campos, dos EUA de Trump, entre outras características. Essa aproximação não é por acaso, faz parte de um rearranjamento global encabeçado pelos EUA e que, em virtude das evidências, coloca o Brasil como mais um peão no tabuleiro, visto que a guinada para a direita e extrema-direita é algo que acontece, num curto período de tempo, em boa parte do mundo.
O fascismo ou neofascismo, como chamam alguns teóricos, entre eles Judith Butler, é uma força reativa que esteve sempre na superfície, à flor da pele, pronta para eclodir. Levando em conta o passado próximo, pode ser constatado o fortalecimento de vários pontos ligados à pauta liberal e que foram encampados pela esquerda, assim como o crescimento de uma pluralidade de movimentos sociais. A luta contra a homofobia, os direitos das mulheres em relação ao próprio corpo, o crescimento do feminismo em suas diversas formas, garantias obtidas pelas minorias, a defesa de imigrantes, a luta contra a pobreza, a busca pela igualdade racial, o questionamento em relação a uma justiça distributiva global, a luta pela ampliação dos direitos trabalhistas são só alguns pontos que podem ser citados. A eleição, pela primeira vez, de um presidente de origem africana nos EUA, muito importante do ponto de vista simbólico, apesar de não tanto do político, e o crescimento da esquerda no restante da América também ajudam a compreender esse cenário desfavorável para uma visão conservadora e de extrema-direita.
Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, um partido de extrema-direita e ultra-nacionalista, o Alternativa para a Alemanha (Alternative für Deutschland ou AfD), chega ao Parlamento alemão. Na França, Marine Le Pen, do Rassemblement National (Reunião Nacional) ficou em segundo lugar na eleição presidencial com seu projeto contrário à União Europeia, a imigração e uma pauta essencialmente conservadora. Na Grécia, o partido Aurora Dourada (Χρυσή Αυγή) considerado por especialistas como um partido neonazista, posto que defende a “raça branca”, consegue eleger 18 deputados. Na Holanda, o Partido pela Liberdade (Partij voor de Vrijheid ), com uma visão liberal e conservadora na economia, contra a imigração, negacionista em relação às questões ambientais e com uma pauta de segurança de tolerância zero, consagrou-se como a segunda maior força no Parlamento holandês. Na Hungria, o primeiro ministro Viktor Orban foi eleito com um discurso extremamente conservador, racista, nacionalista e contra a corrpução, sendo que seu partido, o Fidesz, não é o único de extrema-direita, já que existe também o Jobbik que se auto-denomina “”conservador e radicalmente cristão e nacionalista”. Na Itália, a Lega Nord per l’Indipendenza della Padania (Liga Norte), com um discurso xenófobo e conservador, conseguiu 18 deputados na Câmara italiana. Também encontramos exemplos do crescimento da extrema-direita em outros países europeus, como Áustria, Suíça, Suécia e Bélgica.
Na América Latina, a chamada “onda conservadora” segue seu caminho. Argentina, Brasil, Guatemala, Peru, Honduras, Chile e Paraguai são exemplos de governos de direita ou extrema-direita, com políticas neoliberais e conservadoras. O caso brasileiro, em particular, é um exemplo de até onde esse rearranjo global pode chegar. Um planejamento que foi projetado antes do governo Trump, mas que chega ao seu ápice em tal governo, havendo um deslocamento do projeto, que teve seu primeiro grande marco com a Primavera Árabe, para a extrema-direita.
Como dito acima, houve uma deslocamento do projeto, da direita para a extrema-direita, já que o atual governo estadunidense é um governo de extrema-direita. Ver-se-á, aqui, que toda a estrutura de propaganda, ideologia e plano de governo que elegeu Donald Trump acaba por se repetir no Brasil.
Steve Bannon, ideólogo mais conhecido do governo Trump, é um excelente fio condutor para compreendermos como a extrema-direita brasileira foi estruturada e como ela chegou ao poder. Evidentemente, por se tratar de um curto artigo, não poderá ser analisada toda a caminhada, desde as manifestações e protestos de junho de 2013 e, antes disso, a queda de preço das commodities, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff em seu segundo mandato presidencial, o uso do lawfare evitando a candidatura de Lula da Silva e o levando para a prisão e a eleição de um candidato considerado por muitos como fascista. Assim, vamos demonstrar apenas as semelhanças entre EUA e Brasil no tocante as estratégias da extrema-direita.
Afinal, quem é Steve Bannon? Antes de mais nada, vale lembrar que Bannon é uma importante engrenagem nesse jogo do poder, mas, certamente, não é a única importante. Todavia, não seria possível trabalhar todas as engrenagens importantes em um curto artigo, por isso o foco naquela que se tornou a mais discutida do processo.
Bannon é um uma pessoa de múltiplas facetas. Estudou na Virginia Tech, serviu na Marinha dos Estados Unidos, trabalhou no grupo financeiro Goldman Sachs, foi investidor nesse mesmo grupo. Tornou-se, também, um homem de mídia e entretenimento, produzindo documentários de cunho altamente ideológicos e comandando um site de informação e opinião da direita alternativa americana chamado Breitbart News, proliferador de materiais racistas, sexistas, xenófobos, antissemitas e homofóbicos, o que se encaixa perfeitamente no perfil do núcleo duro de apoio a Trump. Também é oportuno lembrar que Bannon pertence ao conselho da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que estava por trás do escândalo sobre a manipulação do Facebook para eleição de Trump. Apesar de todo esse currículo, Bannon durou apenas sete meses no governo Trump, no papel de estrategista chefe da Casa Branca. Depois da Casa Branca, Bannon manifestou seu desejo de ser a infraestrutura para o movimento populista global, outro nome para a extrema-direita. Viaja, então, para a Europa e faz contato com diversos líderes e partidos conservadores e de extrema-direita. Funda The Movement, uma organização populista de extrema-direita que pretende ser a antípoda da Open Society de George Soros, segundo o próprio Bannon, e planeja, com tal organização, influenciar os rumos das eleições da União Europeia de 2019, assim como diversas outras eleições pelo mundo. No Brasil, nomeia Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, líder do The Movement para a América do Sul e ajuda, muito mais do que se poderia imaginar num primeiro momento, a estruturar a campanha que levará Jair Bolsonaro à presidência.
Bannon, ao falar do Breitbart News, afirmou que um de seus princípios fundamentais é a guerra. Bannon pensa a guerra no sentido que Foucault explica o biopoder. A guerra é o padrão de inteligibilidade do biopoder e também é, para Bannon, uma ferramenta para entender a sociedade, seu cotidiano e os indivíduos dessa sociedade. É uma guerra do dia a dia, “a América está em guerra”, vocifera. Aleitura de Foucault, apesar de não ser admitida, afinal, o filósofo francês é considerado um inimigo como já foi afrimado por seus aliados brasileiros, impactou Bannon e Bannon, por sua vez, impactou a política brasileira. Não há como negar que a campanha do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, foi marcada por suas falas truculentas, pelo tratamento de toda oposição como inimigos, chegando ao ponto do próprio Bolsonaro sugerir metralhar seus opositores. A guerra de Bannon se materializa em Bolsonaro, assim como tinha se materializado em Trump.
Detalhando a questão da guerra, encontramos uma nova semelhança com a extrema-direita do maior país da América do Sul. Para vários analistas políticos, como é o caso de David Brooks do New York Times, Bannon, assim como toda alt-right, é uma espécie de reação à toda uma política liberal e de esquerda que estabeleceu valores e padrões diferentes daqueles dos conservadores. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em seu livro (Como as Democracias Morrem) também pensam dessa forma. Assim, a luta maior se dá através de uma guerra cultural, sendo a supremacia buscada nesse campo. Vejam, a economia, no discurso de Bannon (não na sua prática) é colocada como algo secundário. Obviamente, os valores defendidos pelo ideólogo de Trump são valores conservadores, tradicionais e reacionários. Um exemplo disso é sua forma de definir as feministas, como “um bando de sapatões (dykes)”. Aqui, não há como negar as semelhanças entre o discurso de Bannon e aquele da campanha e do governo que tomou posse em 2019 no Brasil. Falas racistas, homofóbicas, misóginas, combate a toda política pública liberal ou de esquerda fazem parte desse governo. Buscando uma afirmação de valores tradicionais, apoiado pelos neopentecostais, atacando toda espécie de diversidade e diferença, Bolsonaro e seus ministros sempre fizeram desses valores sua bandeira, repetindo a falsa ética defendida por Trump.
Como aponta Jeffrey C. Alexandre, em seu artigo Vociferando Contra o Iluminismo: A Ideologia de Steve Bannon, a ideologia de Bannon é “construída através de códigos binários e narrativas temporais…” , os primeiros são responsáveis pela exclusão, as segundas apresentam uma visão apavorante e apocalíptica. Portanto, Bannon mistura, em sua receita política, três fatores poderosos: maniqueísmo (divide tudo entre o bem e o mal, o certo e o errado), medo (narrativas terrificantes de guerras, como a do Ocidente contra o Islã), simplicidade (todos compreendem seu significado). Dessa forma, nas suas narrativas há um inimigo externo ao Ocidente, o Islã, e um interno, a esquerda. Binariamente, aponta o bem, representado, por exemplo, pela propriedade, o cristianismo, o nacionalismo, a direita alternativa; e o mal, concretizado na pobreza (evidencia a desqualificação), o Islã, o globalismo e a esquerda. Nessa visão dicotômica, há uma oposição meramente retórica: a oposição povo e elites. As elites são apresentadas como cosmopolitas, egocêntricas e interessadas somente no seu próprio enriquecimento, enquanto o povo, um conceito que já havia caído em desuso entre os teóricos, aparece como o lado positivo, puro e bom desse par. Não é por acaso que isso acontece. Bannon é populista e, como tal, precisa da valorização do povo para alcançar o poder. Portanto, o apelo metafísico ao conceito de “povo”ajuda a estruturar sua ideologia numa disputa aparentemente democrática.
Como essa parte da ideologia se encaixa, então, na extrema-direita brasileira? Primeiro, uma explicação. O PSL, partido atual de Bolsonaro, não pode ser considerado, stricto sensu, um partido. O grupo de Bolsonaro escolheu um pequeno partido e sem expressão para, através de negociações duvidosas, viabilizar sua candidatura à presidência. Em função disso, é melhor usar “extrema-direita”, já que isso engloba uma série de apoiadores de diversos partidos desse governo. Como pode ser notado, a visão de mundo simplificada e maniqueísta está sempre presente no discurso dessa extrema-direita. O governo atual é bom, os outros representam o mal, os empresários são bons, os sindicalistas são maus, o bloco que defende o governo é bom, o PT (Partido dos Trabalhadores) é o mal supremo, o patriotismo é bom, as ONGs que defendem o Planeta são más. Nessa adaptação narrativa, a esquerda é vista como o grande mal a ser combatido e a corrupção como um grande mal resultado de seus governos. Com a ajuda de lawfare (instrumentalização política da lei para combater seus inimigos de uma maneira aparentemente legal) atacam seus inimigos como se fossem responsáveis por todo mal presente no Brasil. A esquerda, no discurso oficial, deve ser eliminada e seus defensores metralhados. Nas linhas superficiais do discurso de Bolsonaro, também achamos dicotomias: brasileiro sempre de verde e amarelo, “esquerdistas” de vermelho, cristianismo (protestantismo e catolicismo, ele não se decide para não perder politicamente) e não cristãos, “gente de bem” e bandido, branco e preto, hétero e LGBT.
Essa forma de pensar de Bannon, assim como da famiglia Bolsonaro, acaba por destruir a democracia. Primeiro, quebrando regras não escritas de respeito e tolerância entre oponentes políticos, Segundo, quebrando a própria lei, aproveitando os gaps e falhas da própria lei, para promover o lawfare e, sabendo de sua elasticidade, esticando-a tanto que chega a quebrar. Terceiro, acabando com a liberdade de expressão e, com esta, a liberdade de imprensa. A imprensa sá fala a verdade quando noticia algo positivo para eles, quando noticia algo negativo, rotulam de fake news. A propósito, o uso de fake news é praticamente insuportável por parte da extrema-direita. Repetindo Trump, de uma maneira ainda mais agressiva, Bolsonaro divulga mentiras, promove a falsidade e chega a acusar órgãos oficias de divulgarem dados mentirosos, como ocorre com os dados sobre o desmatamento da Amazônia. Quarto, quebrando as “grades de proteção”, na terminologia de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que defendem as democracias de ataques violentos por pessoas e entidades antidemocráticas. A tolerância política, por exemplo, foi mandada embora junto com sua irmã, a tolerância religiosa. A lisura das eleições foi posta em dúvida, por Trump e por Bolsonaro, arranhando ainda mais o processo eleitoral nos dois países. Para eles, se a vitória ocorre o processo é legítimo, caso contrário, foi fraudado. Cabe, aqui, lembrar que a democracia brasileira, diferente da amaericana, é frágil e recente. Se os EUA podem aguentar um Trump, dificilmente o Brasil poderá aguentar um Bolsonaro.
O uso das redes sociais como instrumento de controle e de manipulação de massa, o abuso de fake news para atacar seus adversários políticos, o auxílio de uma potência estrangeira, o favorecimento do mercado, a cruzada religiosa, a luta contra a liberdade de expressão e a imprensa, o maniqueísmo não apenas político, a visão simplificada de mundo, o apoio de supremacistas brancos (David Duke, ex-líder da Ku Klux Kan, apoiou Bannon, trump e Bolsonaro), o horror à diferenças e diversidade, a agenda conservadora, a falsa ética e o moralismo, a midia alternativa (Breitbart, O Antagonista) como meio de defesa e ataque em relação a seus oponentes e uma série de outros fatores acabam por demonstrar que a campanha de Bolsonaro foi toda orientada por Stephen Kevin Bannon ou por suas ideias. A questão que surge de tudo isso é: qual o preço a pagar? Quanto o Império cobrará do atual governo brasileiro. Por esses primeiros meses de governo, já pode ser vislumbrado que a conta é bastante alta.
Alexandre L Silva