Judiciário e Ministério Público: a lei sobre o abuso de autoridade e o sentimento de casta
Há uma resistência de casta por parte da magistratura e do Ministérios Público em relação à nova lei sobre o abuso de autoridade (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm). Essa lei tem por objetivo tipificar e punir uma série de condutas por parte de autoridades. As condutas descritas pelas leis, em muitos casos, já são ilegais, mas sem punir os responsáveis por elas. Entre essas condutas destacam-se: deixar presos de sexos diferentes presos numa mesma cela, assim como adolescentes e adultos; começar um processo ou investigação sem uma causa justa; promover escutas ilegais ou sem autorização judicial; violar prerrogativas legais dos advogados; mandar prender em contrariedade com a lei; constranger o preso através de violência, grave ameaça ou reduzir sua capacidade de resistência para produzir provas contra ele ou contra terceiros. Em outras palavras, como podemos notar, juízes e promotores serão punidos no caso de agirem ilegalmente, algo que deveria ser óbvio e não suscitar nenhuma celeuma. Entretanto, não é o que acontece, como será demonstrado a seguir.
Juízes e procuradores formaram uma frente para questionar o STF sobre a chamada “lei de abuso de autoridade”, classificando a derrubada dos vetos presidenciais pelo Congresso a essa lei como “um retrocesso”. Segundo a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, a proposta expressa pela lei afeta o “combate à impunidade, à criminalidade e a ilegalidades” (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/09/frente-de-procuradores-e-juizes-vai-ao-stf-contra-lei-de-abuso-de-autoridade.shtml).
Protestos são organizados em uma série de estados, nenhum com uma grande expressão e mesmo antes da lei ser promulgada. No Rio Grande do Sul, um ato público contra a lei de abuso de autoridade aconteceu em 23/08/2019, organizado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região, entre outras entidades. Em Belo Horizonte, juízes e desembargadores mineiros (22/08/2019) também promoveram um ato para pedir que Bolsonaro vetasse o projeto aprovado pela Câmara. Em 25/08/2019, manifestantes se organizaram em várias cidades do país para protestar contra a lei em questão, assim como contra o STF. Vários outros atos e protestos aconteceram pelo país, numa verdadeira marcha pelo corporativismo.
Recentemente, após a lei ser promulgada, mais de 40 decisões foram tomadas tendo como fundamento a nova lei de abuso de autoridade (https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/10/04/juizes-ja-mostram-cautela-para-evitar-punicoes-da-lei-de-abuso-de-autoridade.ghtml). Em Brasília, um juiz negou um pedido de penhora com a alegação de que a medida poderia “se realizar em quantia excessiva” (será que não há cálculo para isso? Prece que o juiz não entendeu o significado de excessivo). Em Garanhuns, Pernambuco, uma juíza revogou a prisão preventiva de um grupo de acusados de pertencer a uma organização criminosa, alegando que a nova lei afirma que é abuso de autoridade manter uma pessoa presa de forma manifestamente ilegal (será que a juíza não sabe o que é legal e o que não é? Se há legalidade na prisão, deve mantê-la). Na Bahia (Senhor do Bonfim), um juiz libertou dois homens presos em flagrante por porte de arma de fogo e tráfico de drogas, alegando que não poderia converter as prisões em preventivas, já que “corria o risco de responder criminalmente”. Ainda reclamou, na sua fundamentação, dizendo que “transformar autoridade em réu e o réu em divindade, com o famoso abuso de autoridade, foi o que escolheu a nossa sociedade”. Novamente, é uma pura demonstração de desobediência à letra da lei, já que a lei não diz isso e, como as demais, uma tentativa de inviabilizar a nova lei. Portanto, aguardemos por novas tentativas de corrosão dessa lei por conta das autoridades.
Uma enorme parcela de autoridades do Judiciário e Ministério Público não estão entendendo que ninguém está acima da lei e que todos aqueles que não a respeitam, tenham a posição que tiver, deverão ser penalizados. Como é possível alguém agir ilegalmente e não aceitar ser punido? Um professor que reprova um aluno não por suas notas, mas porque acredita que repetir a disciplina aumentaria o conhecimento do aluno sobre a matéria pode ser processado e punido. Um médico que comete um erro pode ser punido. Um arquiteto ou engenheiro que, pensando em economizar para seu cliente, trabalha com materiais não confiáveis e isso leva, no final das contas, a queda de uma edificação, pode ser punido. Então por que um juiz ou procurador não pode? Não tem sentido pensar diferente, até porque, se assim fosse, teríamos uma casta cujo poder extrapolaria a própria legalidade e os limites do Estado Democrático de Direito.