Desobediência civil e direito à resistência: a chamada que Jane Fonda fez aos brasileiros
Pretendo, nesse texto, explicar o significado de direito à resistência e desobediência civil e contextualizá-lo no âmbito da realidade brasileira. Para tal, utilizarei como gancho uma entrevista que a atriz, escritora e ativista Jane Fonda concedeu ao Fantástico, da Rede Globo, em que fala sobre o assunto e cita o caso brasileiro.
Jane Fonda (Jane Seymour Fonda) sempre foi uma figura controversa e que, de dentro do capitalismo, sempre chacoalhou as estruturas do mundo burguês,. Durante a guerra do Vietnã, na época da contracultura, conversou com vietcongues e foi fotografada junto a uma arma antiaérea vietnamita, chegando a ganhar o apelido de Hanói Jane, o que a fez entrar na chamada “lista negra” de Hollywood. A eterna Barbarella, entretanto, casou-se, em 1991, com Ted Turner, fundador da CNN e um dos maiores magnatas nos Estados Unidos à época. Lançou vídeos de aeróbica que venderam como água, lutou contra a Guerra do Iraque e pelo direito das mulheres, enfim, transformou-se numa figura multifacetada e que procura, nesse momento de sua vida, deixar mais uma marca na história de seu país e, quiçá, na do mundo.
Neste domingo, 15 de dezembro de 2019, foi ao ar, no programa Fantástico da Rede Globo, uma entrevista de Jane Fonda extremamente interessante. Ela disse coisas que precisavam ser ditas em rede nacional para uma enorme audiência. A entrevista fala de suas prisões em função da desobediência civil que vem praticando nos Estados Unidos, lutando contra o aquecimento global e em defesa do planeta. Durante essa entrevista, Fonda afirmou que os brasileiros estão na mesma situação que os estadunidenses e que deveriam praticar a desobediência civil, apesar de reconhecer que o caso brasileiro é mais complexo, pois afirma que o governo brasileiro agiria com violência contra sua população.
Geralmente, quando se fala em desobediência civil, o nome de Henry Thoreau surge. Entretanto, o conceito de desobediência civil é apenas uma das facetas do direito à resistência, defendido por John Locke em seu Segundo Tratado de Governo e publicado em 1681. Apesar de Locke ser o primeiro a estruturar tal direito, exemplos como os da Antígona de Sófocles e o de Sócrates na Apologia escrita por Platão estão presentes desde a antiguidade.
Henry Thoreau, em seu ensaio A Desobeiência Civil, intitulado originalmente de Resistência ao Governo Civil, afirma que cada cidadão é livre para para não aceitar o direcionamento e as políticas de um governo com o qual não concorde. Exemplificou esse conceito através de seus atos, como no caso em que se recusou a pagar um imposto que serviria para os Estados Unidos fomentassem uma guerra de agressão contra o México que acabou com a conquista da região da Califórnia. Por tal ato, Thoreau foi preso. Dessa forma, Thoreau que foi um crítico ferrenho do papel do Estado, o que se faz perceber logo de início em seu ensaio (“aceito de coração o lema ‘o melhor governo é aquele que menos governa’”) e um grande defensor das liberdades individuais, acaba entendendo, ao longo de seu texto, a desobediência civil como contestação e resistência às decisões e ordens de um governo. Para tal, ressalta a diferença entre o respeito às leis e o respeito aos direitos, afirmando que o dever de um cidadão é respeitar aquilo que considera direito, e não aquilo a que uma lei determina.
O texto de Thoreau influenciou uma série de autores, entre eles John Rawls (Uma Teoria da Justiça). Em sua maior obra, Rawls considera a desobediência civil como uma modalidade da desobediência à autoridade política. e que pode ser definida como “um ato público, não-violento, consciente e, contudo, político contra a lei, frequentemente feito com o objetivo de produzir uma mudança nas leis ou políticas do governo” (parágrafo 55). Assim, como a maioria dos intérpretes e autores influenciados por Thoreau, Rawls sublinha a não violência como uma das características fundamentais da desobediência civil, distinguindo-a da “resistência violenta organizada” e da “desobediência política militante”. Ainda, Rawls defende a desobediência civil deve ser uma resposta a uma ação ou política de governo que são contrárias às as liberdades básicas iguais ou contra a igualdade de oportunidades, princípios básicos de sua teoria da justiça.
John Locke, muito antes de Thoreau, em seu Segundo Tratado de Governo, apresentou o direito à resistência como um dos direitos naturais, juntamente com os direitos à liberdade, vida e propriedade. Diz Locke que”a autodefesa faz parte da lei da natureza; nem se pode negar à comunidade, mesmo contra o próprio rei” (sect 233 na página: https://www.gutenberg.org/files/7370/7370-h/7370-h.htm). Portanto, na visão de Locke, o povo tem direito a resistir a um governo tirânico e que esteja agindo contra os seus interesses, mesmo utilizando a violência para tal. Percebam que o direito à resistência, na visão do pai do liberalismo, funciona como uma espécie de freio aos abusos de um governo e uma defesa dos direitos dos cidadãos contra tais abuso. Daí decorre que, para Locke, todo indivíduo tem o direito de resistir à injustiça de um governo, lutar, mesmo violentamente, por isso e até derrubar o governo e romper com suas leis injustas. Evidentemente, o direito à resistência é o único direito natural que não está expressamente defendido em nossa Constituição.
Marx em O Capital (capítulo 24) afirma que “A violência é a parteira de toda velha sociedade que está prenhe de uma nova. Ela mesma é uma potência econômica”. Ao fazer tal afirmação, Marx estava pensando na própria consolidação do capitalismo e admitindo, portanto, que a violência é uma forma de resistência que tem a possibilidade de gerar novas formas econômicas e modos de produção. Sem resistência, portanto, não há mudanças.
Vimos, portanto, pelas óticas libertárias, liberal e marxista que um povo, uma classe ou um indivíduo tem direito a resistir contra um governo que seja pautado pela injustiça em relação a seu povo. Recentemente, vários exemplos dessa resistência acontecem na América Latina: Equador, Colômbia, Bolívia e Chile são apenas alguns deles. No Brasil, entretanto, ainda não vemos sinais de tal resistência, algo essencial para o momento em que o país vive, pois, como afirma Santo Agostinho na Cidade de Deus, um governo sem justiça não é mais que um vasto latrocínio.
A população, no Brasil, parece não ter acordado ainda para todos os direitos coletivos que foram roubados por esse governo, todas as agressões à liberdade, cultura, educação e direitos básicos realizados por um governo que privilegia os mais ricos e faz os mais pobres pagarem por isso. A Amazônia em chamas, assim como boa parte de nossos biomas, uma reforma da previdência que reduz os direitos da maior parte da população e que privilegia alguns poucos, a possível manipulação de dados econômicos, a retirada do governo da responsabilidade pela nossa segurança, jogando essa responsabilidade para nós que pagamos impostos, o preconceito contra minorias e o discurso do ódio fomentada uma verdadeira segregação no país, um desemprego e uma inflação que afeta, principalmente, as camadas mais pobres do país, uma diminuição do Estado em áreas estratégicas e necessárias para a existência de um mínimo de estado social, o genocídios de negros e pobres nas comunidades carentes e milhões de outros problemas não são o suficiente, ainda, para despertar um povo que dorme tão profundamente. Talvez esteja faltando um pato da FIESP para despertar esse povo, mas esse pato costuma manipular o povo segundo os interesses de seus donos e esses, pelo que tudo indica, continuam se regozijando com as atitudes do atual governo.
Devemos, portanto, tomar para nós a responsabilidade pelo nosso futuro e lutar, através de grandes manifestações democráticas, pelo nosso futuro e pela própria democracia. Não há sentido em aceitar um governo que nos massacra, pois aceitá-lo é o mesmo que tomarmos a posição de escravo e, portanto, aceitar todos os males que tal situação evoca.
Alexandre L Silva