Compreenda o distritão e os prejuízos que ele poderá trazer à democracia

Alexandre L Silva
4 min readJul 16, 2021
Photo by Phil Scroggs on Unsplash

Primeiro, foram os protestos contra Dilma. Depois, o seu impeachment. O impeachment foi seguido pelo governo de Michel Temer e esse governo, por sua vez, deu lugar à eleição de Bolsonaro, manipulada através do WhatsApp. Um golpe atrás do outro da direita ou, se preferirem, meus caros leitores, um golpe contínuo que não para. E, não o pior, mas o menos crível, ainda chamam a esquerda de golpista.

Novamente, a direita pretende dar continuação ao golpe com duas propostas eleitorais, o semipresidencialismo e o distritão, sendo esse último o assunto do presente texto.

A PEC 125/11, com o texto original do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), previa apenas o adiamento das eleições em datas coincidentes com feriados. Entretanto, a relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), resolveu ampliar os temas abarcados pelo Proposta de Emenda. Entre os elementos acrescentados pela deputada, há um projeto de instauração de um novo modelo de sistema eleitoral, conhecido como distritão.

O distritão, conhecido internacionalmente como Single Non-Transferable Vote (SNTV), é um modelo eleitoral adotado plenamente apenas em quatro países: Ilhas Pitcairn, Vanuatu, Jordânia e Afeganistão. Outros países, como é o caso do Japão, já adotaram o distritão, mas tiveram que abandoná-lo por ser muito caro e estimular a corrpução. Apesar disso, a proposta de reforma política apresentada pela deputada do Podemos permanece a todo vapor. Mas, afinal, como pode ser definido, de forma simples, o distritão?

Primeiramente, a proposta do distritão tem como alvo a eleição de deputados federais, focando, portanto, na Câmara dos Deputados. Depois, o país seria dividido em distritos, sendo proposto inicialmente que esses distritos fossem formados por municípios ou estados. Finalmente, os candidatos mais votados de cada distrito (estado ou município) seriam eleitos, como acontece com uma eleição majoritária (prefeito, governador, presidente). Para não dizer que não há nenhum papel para os partidos, a deputada Renata Abreu sugeriu que o partido deveria somar pelo menos 30% do quociente eleitoral para eleger um candidato, sendo o quociente eleitoral o resultado da divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras na Câmara.

Resumindo, os deputados seriam eleitos por municípios ou estados, os partidos que alcançassem um mínimo de 30% do quociente eleitoral (divisão dos votos válidos pelo número de vagas) poderiam eleger seus candidatos. Finalmente, os mais votados de todos os candidatos, desde que os partidos superassem a cláusula de barreira dos 30%, seriam eleitos. Assim, os mais votados, quase que invariavelmente, seriam eleitos.

Os problemas do distritão são muitos, prejudicando principalmente os partidos políticos da esquerda do espectro político. A começar pela divisão em distritos, uma vez que essa divisão não está bem definida. Dependendo desse divisão, como já apresentei em outro texto, o distrito poderá favorecer, e muito, determinados partidos, como acontece nos Estado Unidos. Portanto, esse é um ponto que precisa ser tornado claro antes de qualquer discussão, uma vez que há um cálculo técnico simples para estabelecer esse favorecimento.

Como apontou a ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), o modelo em questão “vai elitizar a representatividade no Parlamento”. O motivo dessa afirmação é evidente: serão eleitos, principalmente, os mais conhecidos ou aqueles que têm condição financeira, própria ou através de financiamento de outro, dentro da disputa. Apesar disso, de certa forma, já acontecer, o distritão tem potencial para aumentar, e muito, a importância desse fator. Dessa forma, líderes sindicais e comunitários teriam suas chances diminuídas a favor de figuras famosas ou ricas, uma lástima para partidos com base popular.

Evidentemente, a busca por financiamento leva à corrupção e ao chamado caixa 2. Não há mais como buscar os partidos para, através de um cálculo eleitoral, tentar a eleição, uma vez que só são eleitos os mais votados, fazendo também que o voto de um eleitor que escolheu um candidato derrotado seja jogado no lixo.

Outro ponto importante é o enfraquecimento dos partidos, algo buscado já há algum tempo pela extrema direita, conforme deixa evidente a postura do atual presidente. Com os partidos enfraquecidos, a disputa eleitoral torna-se uma competição que valoriza os indivíduos, principalmente aqueles que representam uma classe com maior poder econômico, desvalorizando, assim, toda proposta ideológica de uma sigla.

Enfraquecimento dos partidos, das propostas, das ideias, aumento da corrupção e valorização do dinheiro, da fama e das classes mais elevadas economicamente, são apenas alguns dos males que o distritão pode trazer. Há, também, aqueles que afirmam que o referido modelo favorecerá candidatos da milícia e do tráfico. Com tantas mazelas, fica a certeza de que estão aproveitando a crise da democracia brasileira para estabelecer uma mudança, só que para pior.

Alexandre Lessa da Silva

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Alexandre L Silva

Ex-professor de diversas universidades públicas e particulares. Lecionou na UFF e na UERJ. Articulista de opartisano.org e escritor da New Order no Medium.