Bolsonaro e o projeto de destruição das instituições democráticas: a questão do STF
Há um projeto de acabar com a democracia no Brasil em andamento. Esse projeto começou com o lawfare, isto é, o uso de leis positivas e do aparato do Poder Judiciário e do Ministério Público para, de forma aparentemente legal, atacar os inimigos políticos e os críticos. Prossegue para a captura dos árbitros, isto é, aqueles que são responsáveis por julgar e tomar decisões no âmbito legal. Segue com a destruição das grades de proteção da democracia, costumes e regras não escritas que protegem a convivência democrática. E, nesse momento, caminha para a destruição das instituições democráticas, como o STF (Supremo Tribunal Federal) por exemplo (1). É importante notar que nenhuma dessas etapas cessa quando uma outra começa, pois o que ocorre é um movimento de superação (Aufhebung) em que uma etapa traz consigo as outras (2).
Só em novembro do corrente ano (2019) que o STF mudou o entendimento sobre a prisão em segunda instância e decidiu pela sua inconstitucionalidade, algo que era evidente simplesmente por consultar o texto da Constituição Federal (3). Até então, os julgamentos do STF sobre o assunto eram excelentes exemplos de lawfare contra Lula e de “captura dos árbitros”, conforme o texto de Levitsky e Ziblatt. Entretanto, com sua decisão contrária à prisão em segunda instância, o STF entre de vez na mira do governo Bolsonaro que tenta acabar com sua credibilidade e, quiçá, destruí-lo.
Em 02/10/2019, o STF formou maioria em plenário no sentido de que em ações com réus colaboradores e não colaboradores (delatores e delatados), os réus delatados têm o direito de apresentar as alegações finais após os réus delatores. Isso parece bem óbvio, já que alguém só pode se defender se sabe do que é acusado. Entretanto, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da Quarta Região), em 27/11/2019, confirmou a condenação de Lula no processo do Sítio de Atibaia e, ainda, aumentou substancialmente sua pena. O argumento do TRF-4 utilizou o princípio ‘pas de nullité sans grief’ (não é anulado um ato sem que seja provado o prejuízo que ele provocou) para rejeitar a decisão do STF, o que é um absurdo completo, Ora, o que a defesa mais fez foi provar o prejuízo de Lula. Além disso, a indicação do STF é clara no sentido da ordem das alegações, o que não foi respeitado pelo TRF-4.
Outro dia, uma notícia acabou chamando a minha atenção. Em 05 de dezembro de 2019, o site Consultório Jurídico publicou uma matéria com o título ‘Para soltar homem preso por ser pobre, STJ supera súmula do STF’ (4). Basicamente, a matéria nos conta que um desembargador do STJ acolheu um habeas corpus de um homem que alegava que não tinha dinheiro para pagar a fiança e, por isso, estava preso. O desembargador alegou que manter uma pessoa presa somente porque ela é pobre e não tem condição de pagar a fiança é ilegal, violando claramente, assim, a Súmula 691 do STF. Vejam, para mim, fiança é algo que nem deveria existir. Entretanto, se existe, ela perde toda sua função nesse caso e a pessoa, em questão, passa a ser favorecida porque é pobre. Mas, esse não é o problema. O imenso problema é que um desembargador de uma corte inferior passa a julgar desrespeitando uma corte superior, o que acaba com toda estrutura jurídica, enfraquecendo o STF e retirando todo o seu sentido, pois as decisões do STF passam a ter nenhum valor.
O STF não é a única instituição democrática a ser atacada, mas é a que mais chama atenção no momento. Caso esse projeto não seja detido, o Brasil corre um sério risco de passar, mais uma vez, por uma ditadura. É preciso, então, que o STF e a sociedade deem uma dura resposta a todos esses ataques e que, de forma nenhuma, coadune-se com aqueles que querem o destruir.
Alexandre L Silva
Notas:
(1) Devo as categorias empregadas até aqui a Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na obra Como As democracias morrem, editada pela Zahar no Rio de Janeiro em 2018.
(2) O conceito de Aufhebung é proveniente de Hegel e, também, é muito utilizado por Marx e Engels em suas obras.
(3) Art. 5, inc. LVII da Constituição Federal de 88: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
(4) https://www.conjur.com.br/2019-dez-05/soltar-homem-preso-pobre-stj-supera-sumula-stf