Apêndice ao Grande Golpe: a interferência estadunidense na política brasileira
O Grande Golpe foi um texto que escrevi sobre a reestruturação da política externa estadunidense nos últimos anos, em especial no tocante ao Brasil. Nele, apresentei uma série de fatos, informações e argumentos para demonstrar essa reestruturação. O texto atual tem como objetivo fundamentar ainda mais essa tese, apresentando mais uma série de fatos e notícias que corroboram o que foi dito no texto anterior.
O Wikileaks revelou, através de sua página em 2011 e, também, através do Twitter em 2016, telegramas do cônsul-geral dos EUA, Christopher J. McMullen, que colocam o ex-presidente do Brasil, Michel Temer, na posição de informante dos EUA. Nesses telegramas, Temer analisa negativamente o governo de Lula da Silva, considera a possibilidade do lançamento de um candidato presidencial do PMDB (partido de Temer) futuramente, fala do Movimento dos Sem Terra, aponta para os perigos de uma guinada à esquerda de um possível segundo governo Lula, aponta o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como um candidato sem carisma e critica a política social de Lula, entre outras coisas.
A Folha de São Paulo, um dos maiores jornais brasileiros, publicou (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2010/11/838185-documentos-confidenciais-revelam-que-para-eua-itamaraty-e-adversario.shtml) em 30 de novembro de 2010, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, um artigo sobre documentos confidenciais providenciados pelo Wikileaks. Nesse artigo, o jornal revela a existência de telegramas oficiais de diplomatas estadunidenses que, em seu conteúdo, revelam que os EUA consideravam o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores brasileiro) da época como um “quase inimigo. Em compensação, descreviam o Ministro da Defesa no período, Nelson Jobim, como um aliado. Em um desses telegramas (de 25/01/2008), o embaixador estadunidense, Clifford Sobel, narrou um almoço com Jobim, em que o próprio Jobim confirma essa impressão negativa do Itamaraty. Jobim chegou até a dizer que Samuel Pinheiro Guimarães (seretário-geral do Ministério das Relações Exteriores) odiava os EUA. Apesar disso, Jobim acabou por não defender a proposta estadunidense para a licitação de 36 caças para a Força Aérea Brasileira.
Em uma das páginas do Wikileaks (https://wikileaks.org/plusd/cables/08BRASILIA896_a.html) encontramos a preocupação dos EUA com o “maior engajamento do Brasil em questões do Oriente Médio”. É afirmado, também, que esse engajamento aumentou quando o Irã intensificou suas atividades no Brasil e na América do Sul. Ainda é dito que as exportações brasileiras para o Irã, cerca de US $ 1,8 bilhão em 2007, quase quadruplicaram desde que Lula assumiu o cargo e representam cerca de 30% do total das exportações brasileiras para o Oriente Médio.
Sobre o combate ao terrorismo (https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA156_a.html), documentos demonstram a preocupação dos EUA em relação ao Brasil e ao Itamaraty deixarem de fora os EUA em relação à área de fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.
Também há um fato muito conhecido, a espionagem dos EUA sobre a Petrobrás e a Presidente da República do Brasil na época (2013), Dilma Rousseff, comprovada por documentos secretos da NSA e revelada por Edward Joseph Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA. Esses documentos, que foram entregues ao jornalista Glenn Greenwald e a jornalista e cineasta Laura Poitras, comprovam, entre outras espionagens pelo mundo, como foram monitoradas a presidente e a gigante petrolífera brasileira, chegando, inclusive, a ser grampeado o telefone de Dilma Rousseff.
Em 17 de março de 2014 é criada a Operação Lava Jato, no governo de Dilma Rousseff. Essa operação, com a presença da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, entre outras instituições, teve seu auge simbólico com a prisão, sem fundamentação fática, do ex-presidente Lula. Também foi responsável pelo encolhimento do Partido dos Trabalhadores (PT), maior partido de esquerda brasileiro (partido de Lula da Silva e Dilma Rousseff) nas eleições seguintes, a quase destruição ou diminuição de boa parte das maiores empresas do país (Petrobrás. JBF, Odebrecht, entre outras) e a recuperação de mais de 3.5 bilhões de dólares, segundo fontes favoráveis à Lava Jato. Entretanto, só a Odebrecht perdeu, até 2018, 17.5 bilhões de dólares, sem contar os empregos destruídos e a crise política e econômica que tem nessa operação um de seus fundamentos. Através de uma série de publicações (apelidadas de Vaza Jato) no site The Intercept Brasil, é revelada a articulação existente entre a Lava Jato e os EUA (https://theintercept.com/2019/06/12/chat-sergio-moro-deltan-dallagnol-lavajato/). Nela, o procurador-chefe da operação afirma que “depende da articulação com os americanos” para dar prosseguimento a estratégia que estava sendo utilizada. Também, com 2,5 bilhões de reais, obtidos através de ressarcimento dos EUA em relação à investigação da Petrobrás, membros da Lava Jato propuseram começar uma fundação contra a corrupção, apelidada de Fundação Lava Jato. Em outras palavras, dinheiro recuperado pelos membros da Lava Jato para os próprios membros da Lava Jato fazerem o gerenciamento, um absurdo que não foi aprovado nem pela justiça nem pelo Ministério Público.
Assim, mais uma vez, buscou-se fundamentar a tese de uma forte influência estadunidense no cenário político atual do Brasil, defendida no meu texto O Grande Golpe. Evidentemente, não há como precisar a força dessa influência, mas também não há como negar sua existência e a realidade de um alinhamento em todas as áreas do atual governo do PSL (Partido Social Liberal) com os EUA. Aliás, nem durante a Ditadura Militar (1º de abril de 1964–15 de março de 1985) tivemos um alinhamento tão grande. Há, de fato, uma verdadeira subserviência brasileira em ralação aos estadunidenses, nesse novo tipo de ditadura implantado no Brasil.
P.S.: Este texto foi escrito em 19/08/2019 e, um dia depois (20/08/2019) o jornal Folha de São Paulo publica uma matéria ( https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/08/deputados-americanos-questionam-colaboracao-dos-eua-com-a-lava-jato.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social-media&utm_content=geral&utm_campaign=noticias)com o título: “Deputados americanos questionam colaboração dos EUA com a Lava Jato”. Segundo essa matéria, 12 deputados do Partido Democrata (EUA) enviaram uma carta, no mesmo dia da matéria (20/08/2019), ao Departamento de Justiça dos EUA, endereçada ao secretário de justiça, William Barr, “preocupados com o envolvimento do Departamento de Justiça em procedimentos jurídicos brasileiros recentes que geraram controvérsia significativa e podem desestabilizar a democracia no país”. Ainda segunda essa mesma carta, haveria uma possível ajuda de agentes do Departamento de justiça estadunidense aos procuradores da Lava Jato, ajuda essa que ultrapassaria os limites da legalidade.
Alexandre L Silva