A transformação no direito brasileiro e a extrema-direita
Todo aquele que ama a sabedoria adora trabalhar com hipóteses. Não sou diferente, trabalho com hipóteses e tento fundamentá-las. Platão, em seu diálogo Teeteto, já afirmava que conhecimento é um juízo (crença) verdadeiro e justificado (fundamentado). Dessa forma, escrevi o texto O Grande Golpe, procurando demonstrar a interferência estadunidense no mundo e, mais detalhadamente, no Brasil. Obviamente, o texto é hipotético, mas há uma série de fatos e proposições que corroboram essa hipótese.
O texto atual vem ajudar a corroborar as afirmações que fiz no primeiro texto, abordando o sistema jurídico brasileiro. Em outras palavras, pretendo estabelecer, de uma maneira mais informal, essa interferência no campo do direito. A pedra de toque para este texto é obviamente a Operação Lava Jato e a condenação, sem a menor fundamentação, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O direito brasileiro tem suas raízes no direito romano, direito germânico e no direito continental europeu, em geral. O sistema romano-germânico ou civil law, ou ainda, civilian law, é o direito mais adotado no mundo. Para se ter uma ideia, praticamente toda Europa (com exceção dos países insulares, exceto Escócia), quase a totalidade da América Latina e boa parte da Ásia e da África adotam esse tradição jurídica. É comum opor ao sistema romano-germânico a common law, pois são os sistemas de lei que dominam o Ocidente.
Na common law, a jurisprudência tem uma força muito maior que na civil law, ou seja, o “precedente legal” ( decisões de cortes passadas) tem um peso muito maior em países anglo-saxões ou anglo-americanos. Já em países como a Alemanha, a França e o Brasil, as leis positivadas e codificadas são muito mais valiosas, sendo que a jurisprudência só nasce através de uma decisão definitiva do Poder Judiciário (caso brasileiro) e, mesmo assim, não deve ter o peso de uma lei na imensa maioria dos casos. Assim, temos de um lado (civil law) o direito fundamentado na lei positiva e na codificação devidamente realizada (lei escrita positivada por uma autoridade competente), do outro (common law) um direito fundamentado na interseção dos costumes, leis não escritas, jurisprudência e da própria lei positiva.
Começamos a ver uma mudança de paradigmas no direito brasileiro, sendo que muito dessa mudança é devida a Lava Jato. Estamos vivendo, no momento, uma espécie de direito
Frankenstein, ou seja, um direito com pedaços de corpos, falando metaforicamente, de outros direitos. Obviamente, não cabe nesse pequeno texto falar de modo técnico e exaustivo sobre o tema, entretanto, as mudanças são claras. Doutrina Stare Decisis ( doutrina de origem inglesa e que diz que as decisões de um órgão judicial criam precedente, jurisprudência), distinguishing e overruling (distinguishing como a prática utilizada para fundamentar a não utilização de uma jurisprudência, e overruling como a superação de uma jurisprudência), plea bargain ( contida no chamado “pacote anti-crime” do ministro Sérgio Moro e que é uma espécie de barganha em que o réu faz uma delação, no caso do pacote, não necessariamente de outra pessoa, em troca de algo), a teoria do domínio do fato, usada no caso Lula e que chega até nós através dos EUA, são exemplos dessa miscelânea. Mas qual a razão de toda essa confusão no mundo jurídico brasileiro?
A razão é uma só: é preciso ganhar, como afirmou Steve Bannon (principal ideólogo de Trump) sobre os EUA, a guerra cultural. Vamos lembrar que o conceito de cultura tem várias definições e, nesse caso, podemos ficar com aquela de Edward Burnett Tylor: a cultura é o conjunto de ideias, símbolos, comportamentos e práticas sociais produzidas pelo ser humano e transmitidos, ou modificados e criados, socialmente através de gerações. Assim, é evidente que o direito faz parte da cultura e, nessa “guerra cultural”, é importante para a extrema-direita ganhar o campo do direito, já que esse deve ser transformado, no Brasil, em dispositivo disciplinar, no sentido foucaultiano do termo.
A mudança no direito brasileiro visa a atender as necessidades de dominação e adequação à visão conservadora e de extrema-direita do poder vigente. Como a grande força que atua no cenário político brasileiro é a estadunidense, nada mais comum que o direito, parte da cultura, espelhar essa subserviência brasileira. Portanto, não é só a economia pautada nos Chicago Boys que traduz essa obediência brasileira; o direito também está seguindo esse caminho, talvez, até, de forma mais profunda.
Alexandre L Silva