A tática do Caos: a estratégia da extrema-direita brasileira
Loucura embora, tem lá o seu método. (William Shakespeare, Hamlet)
Lorde Polônio, diante da aparente insanidade de Hamlet, desconfia que há um método nessa loucura. Para quem leu ou assistiu a peça de Shakespeare é patente que Polônio não era muito astuto, mas, nesse caso, tinha toda razão: havia um método naquela que, à primeira vista, era loucura,
As declarações, entre tantas outras absurdas, de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, sobre a morte do pai do presidente da OAB (Ordem dos advogados do Brasil), em 29 de julho de 2019, são demonstrações desse método dentro da loucura.
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, teve seu pai, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, assassinado pelo Regime Militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Documentos oficiais, da Comissão da Verdade, afirmam que ele foi morto de forma violenta pelo Estado brasileiro durante tal regime. Há também um documento do Ministério da Aeronáutica do Brasil, rotulado como secreto, que comprova a prisão de Fernando. Apesar disso, Bolsonaro deu duas declarações, ao falar do caso da facada atribuída a Adélio Bispo que, por sinal, não tem nenhuma relação com o assunto, e ao comentar a sua primeira declaração, que provocaram uma imensa reação da sociedade civil e dos mundos político e jurídico.
A primeira declaração é: “Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”. Obviamente, isso fere a dignidade da pessoa humana, um dos valores fundamentais que norteiam a Constituição. Além disso, acusa e chama, indiretamente, o pai do presidente da OAB de sanguinário e violento, como também faz levantar uma série de suspeitas a respeito de quanto Bolsonaro sabe sobre o assunto e por que ele nunca falou sobre o que sabe.
A segunda declaração, numa live cortando o cabelo é: “… Conversava com muita gente na fronteira, conversava. E o pessoal da AP (Ação Popular) no Rio de Janeiro, eh, ficou, é, ficaram, estupefatos, né. ‘Como é que pode esse cara vir do Recife se encontrar conosco aqui?’… e eles resolverem, é, sumi (sic) com o pai do Santa Cruz…” Confesso, a falta de humanidade me assusta, chegando a ponto de redigir em primeira pessoa e usar exclamação! Essa segunda declaração contradiz toda documentação oficial, citada aqui, do Estado brasileiro, podendo ser considerada, assim, uma mentira ou, na terminologia preferida da imprensa, fake news. Evidente que essa fala merece uma resposta. O presidente da OAB já informou que ingressará com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que Bolsonaro explique o que falou, indicando onde está seu pai. Várias vozes no cenário brasileiro, de partidos políticos a juristas, já se manifestaram pedindo o impeachment de Bolsonaro.
Não é a primeira vez que Bolsonaro fala do pai de Felipe Santa Cruz, Em 2011, o então deputado Jair Bolsonaro afirmou que Fernando, pai de Felipe, deveria “ter morrido bêbado em algum acidente de carnaval”, isso em uma palestra na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Essas não são as únicas declarações falsas e absurdas de Bolsonaro. O portal G1, crítico da esquerda e fiel defensor da direita brasileira, contou 82 declarações falsas de Bolsonaro em apenas 68 dias de governo, mais de uma por dia. Declarações como os exemplos acima ou, ainda, sobre o assassinato de Emyra Waiãpi, de 62 anos, em 23 de julho de 2019,líder do povo indígena Waiãpi. Sobre este último disse: “Não há indício de que o índio foi assassinado.” Tal afirmação lhe valeu uma severa crítica da alta comissária para Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, que afirmou, sobre o assassinato, ser um “sintoma perturbador do crescente problema de invasão de terras indígenas — especialmente florestas — por garimpeiros, madeireiros e fazendeiros no Brasil”,
Percebam que Bolsonaro parece sempre estar em guerra; guerra contra a ONU, contra os indígenas, contra a OAB, contra partidos políticos, contra seus próprios aliados, guerra contra todos. Há uma expressão no Leviatã de Hobbes: “guerra de todos contra todos”. Bolsonaro subverte tal expressão e a transforma em “guerra dele (ou dele e de sua família) contra todos”. Seguindo as orientações de Steve Bannon, Bolsonaro transforma a política em guerra.
Como já foi dito, a mentira é outra ferramenta usada pelo chefe do Poder Executivo brasileiro. Só que não é uma ou outra mentira, é um verdadeiro turbilhão de mentiras (fake news). As suas mentiras são impactantes, chocam. Chocam pelo absurdo, chocam pela sua distância com o real. Essa profusão de fake news aliada à guerra e à truculência, além da utilização da mídia tradicional, sites aliados e redes sociais fazem de Bolsonaro e a extrema-direita verdadeiros disseminadores do caos. O caos é a falta de ordem, a desarrumação, é o indefinido. Assim são as ações da extrema-direita, visando confundir e fazer com que seus adversários se percam nessa desordem. Junto a isso, há uma visão maniqueísta de mundo e de moral, forçando a formação de um grupo enorme e sectário de seguidores que aceitam e defendem todos os absurdos. Está aí o porquê de sua permanência na presidência.
Esse método acabou por criar um núcleo rígido de seguidores de Bolsonaro que mantém e sustentam seu governo. Os seus próprios aliados, da extrema-direita, já contavam com um impeachment assim que ele foi eleito. Entretanto, não conseguem fazer a transferência desse núcleo rígido de apoiadores para Mourão, seu vice, e demais aliados. Partindo de um pensamento pragmático, acabam por concluir que o impeachment seria ótimo, já que Mourão assumiria, mas a manutenção de Bolsonaro não está tão ruim, em virtude da dificuldade de manipulação desse núcleo. E a esquerda? A esquerda deve se aliar a toda e qualquer força minimamente democrática e buscar o impeachment, mas antes, deve enquadrar Mourão para ele faça um governo de transição e não destrua de vez com a esperança da volta da democracia. Portanto, nessa hora, a esquerda precisará de novos teóricos e estrategistas que apontem o caminho a ser seguido.