A aparente loucura dos últimos dias: Estados Unidos, Irã e Brasil
O conflito atual entre os Estados Unidos e o Irã tem levantado pontos interessantes para quem se preocupa com a questão da coerência em política. O Brasil também tem colaborado com essa rede de incoerência e mentiras através de uma série de declarações que mais prejudicam o país do que defendem seus interesses.
Em 05 de maio de 2018, Donald Trump anuncia a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã. O ex-embaixador britânico nos Estados Unidos, Kim Darroch, afirmou que Trump deixou o acordo em função dele estar associado a seu antecessor, Barack Obama. O próprio chanceler britânico na época, Boris Johnson, foi a Washington visitar o presidente estadunidense tentando convencê-lo de não deixar o acordo, algo que não funcionou. Trump sabia que o enfraquecimento do Estado Islâmico deixaria um vácuo na inimizade necessária para os Estados Unidos e resolveu deixar o Irã como uma espécie de inimigo em stand by. Dessa forma, os Estados Unidos tem um inimigo para cultivar e Trump, por sua vez, pode afastar sua imagem da de Obama, com o objetivo de criticá-lo e, dessa maneira, trabalhar com o dog-whistle (1) em relação aos seus eleitores. Tática interessante e, à primeira vista, absurda, se você desconhece o funcionamento da política externa estadunidense.
Logo no começo do dia 03 de janeiro de 2020, as forças comandadas por Donald Trump assassinaram o general iraniano Qasem Soleimani, segundo homem mais forte do Irã. Desrespeitando o direito internacional, os Estados Unidos mataram o general com a justificativa de que ele estava tramando, no futuro, a morte de cidadãos dos EUA. Um assassinato preventivo. Dessa forma, a morte do general pode, segundo muitos especialistas, ser considerado um ato de terrorismo de estado e uma clara violação às leis internacionais. Entretanto, sabemos da fraqueza do direito internacional que, em muitos momentos, parece ser regulado pelas leis do estado de natureza. e de que os objetivos verdadeiro são a criação de um velho-novo inimigo para os Estados Unidos, a proteção de Trump e dos senadores republicanos no caso do impeachment e o fortalecimento da campanha para a reeleição de Trump. Em outras palavras, pelo desejo e ambição de alguns homens, principalmente Trump, um assassinato é feito, milhões de pessoas correm o risco de morte e a economia e a cultura mundial passam a correr risco.
Após tudo isso, o Irã ataca, com misseis, duas bases dos EUA no Iraque, Ain Al-Asad e Erbil, em 07 de janeiro. A TV estatal iraniana afirmou que “80 terroristas americanos” foram mortos, o que causou uma grande comemoração no país. Apesar disso, houve um pronunciamento de Trump, no dia seguinte, negando as mortes e afirmando que nenhum estadunidense ou iraquiano foi morto, algo que já era esperado, uma vez que o Irã avisou com antecedência que iria fazer os ataques, outro absurdo dentro desse imbróglio. Afinal, quem avisa que vai atacar não pretende matar ninguém.
No Brasil, as manifestações e declarações de Bolsonaro e do Itamaraty foram as piores possíveis, quebrado uma grande tradição da diplomacia brasileira de neutralidade e apoiando uma violação das leis internacionais por parte dos Estados Unidos. Dessa forma, o Brasil arrisca perder negócios com o Irã, calculados pela grande mídia, entre 2,1 bilhões e 3 bilhões de dólares. Entretanto, o cálculo deveria ser bem maior, uma vez que vários produtos brasileiros são intermediados por outros países, em função do bloqueio estadunidense. Esse cálculo ainda pode aumentar, em função do soft power que o Irã tem em relação a outros países muçulmanos.
O alinhamento automático da extrema-direita brasileira (Bolsonaro, Moro, Guedes) com a extrema-direita estadunidense (Trump) revela uma estupidez que não tem tamanho e uma submissão que pode ser decorrente de relações nefastas entre ambas. Afinal, qualquer alinhamento automático de um país com outro não faz sentido, é abdicar da própria capacidade de raciocinar.
O Brasil de Bolsonaro é assim, a política externa é extremamente ideológica e contra os interesses do país, o ministro da (falta de) Educação é um grande inimigo das universidades e escreve ‘impressionante’ com ‘c’ (imprecionante), o ministro da justiça é conhecido por violar leis enquanto era juiz, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é inimiga das mulheres e abomina os direitos humanos, e um ministro da Economia que está destruindo com a economia do país. Após tudo isso, não é surpresa que esse Brazil de Bolsonaro (desculpem o ‘z’, mas é o mais apropriado para a situação) só pode condenar o lado errado na questão do terrorismo. Afinal, um país em que as vítimas de um atentado terrorista (caso Porta dos Fundos) são punidos com a proibição da exibição de seu especial, enquanto os terroristas continuam livres, só poderia achar que o Irã praticou terrorismo, quando todos os fatos apontam para Trump.
Alexandre L Silva
Nota:
(1) O dog-whistle é uma mensagem política cifrada para um grupo de eleitores. A ministra Damares Alves, por exemplo, utilizou dessa tática para sinalizar para os pentecostais e neopentecostais quando afirmou, num encontro da extrema-direita, que nenhuma moça havia introduzido um crucifixo na vagina. Observem que ela não usou a Bíblia ou uma cruz, mas o crucifixo que é um símbolo católico e não protestante.